quinta-feira, abril 28

magma


“The apparition of these faces in the crowd;
Petals on a wet, black bough”
Ezra Pound
In a Station of the Metro


metrô – sempre gostou de metrôs; cidade subterrânea debaixo da cidade, caminhos construídos sob pés de muitos, levando outros muitos pés. os rápidos encontros que se davam dentro de rápidos vagões acelerados rasgando a terra a uma velocidade enorme. se arrastando pelos pisos de mármores e granitos era familiar aquela sensação conjunta de libido e melancolia que invadia diante de tanta beleza, beleza mais bela que sua, o diminuía mas parecia convidar a ser possuída. ser servo e caçador. nas bocas de estações enquanto descia uma escada rolante observava quem na direção contrária vinha, ou se subia prestava a atenção a quem descendo entrava. os diversos rostos que iam surgindo na esteira, os vários corpos que se movimentavam parados no ritmo da máquina. no ritmo único rostos vários ritmo monótono corpos dinâmicos ritmo constante inconstância das faces. se apaixonava perdidamente, nos furtivos acelerados encontros nos simples esbarros nas belas imagens que os olhos como objetiva fotográfica simplesmente capturavam, se apaixonava – perdidamente. viscosa rotina escorrendo para fora: tudo fazia sentido ali na pessoa amada ilustre desconhecida: razão de minha vida. atitude quotidiana de se apaixonar – criando uma diversa estratégia do guerrilheiro subterrâneo do camuflado apaixonado, aprendendo a criar distâncias seguras de observação sem dar bandeira ou se valendo do reflexo de vidros das janelas. meu reino por ti – onde nada mais faria sentido de não fosse essa minha paixão onde te persigo até o vagão que estás (e se fizermos mesma baldeação – mesma perseguição) (só nunca teve coragem de mudar de rota em função de tanto amor – um covarde apaixonado) não encostem em nada, vocês não tem olhos nos dedos. professora da segunda série babaca! tenho sim! mil vezes tenho olhos nas pontas dos dedos que querem ver com o tato e tenho tato nos olhos míopes que querem te ver mais de perto e tenho vista nas narinas que querem te cheirar de perto e tem sede meus ouvidos e como vê minha língua ávida pelo paladar das peles. ah criatura estranha, quotidiana agonia, rápido desejo efêmero dos vagões subterrâneos, meu globo gira nesse momento diante de tua órbita e nada mais faz sentido nesse instante se não te desejar e me arder oh bruta flor do querer. outro toque que não esse da barra de ferro que agarro, ah! possibilidade de me agarrar a outras superfícies não tão gélidas não tão férricas superfícies outras mais quentes mais humanas mais tuas criatura amada coisa querida, querida e desconhecida. diante de tanto platonismo havia hora que havia de fato toque, pois não é que me sentava do lado da pessoa amada e dela sentia em minha perna o toque de sua perna, que no toque de nossas pernas sentia o seu calor e como ardia oh como eu ardia de amor e de agonia sabendo que aquele simples toque era tudo que eu podia, de ti ter apenas aquele toque ardendo de amor e agonia. tudo tão efêmero tudo tão rápido ou as vezes só louco por um pedaço, um doutor frankenstein subterrâneo: e que eu levo é só um pedaço de uma anatomia, construo uma projeção de retalhos de que me apaixono. louco e médico. mas – ah mas! – um rasgo no fino frágil véu de minha paixão: sussurro da fatal voz seca (a voz rotina de todo dia acompanhada a campainha igualzinha dia após dia) anunciando o nome (mas qual nome? dessas tantas pessoas amadas nunca saberei o nome?) – o nome de mais uma parada – parada-parada sempre ali e sempre mesmo nome mesma rotina viscosa rotina tédio dia-a-dia. e a porta se abre meu amor se esvai ou sou eu que me vou c’est fini adieu ma cherie. a vida caindo de novo sobre mim eu caindo em si e de mais nem nada lembrarei, tão efêmero que foi tão intenso que foi.

O novo latim

Conectados pelo novo latim, os dois riscaram a alvura da neve acumulada no chão. Falaram sobre tanta coisa, riram de tanta coisa, observaram tanta coisa. Nos corpos, expressões da diferença: os cabelos cor de cenoura, a pele rosada, e os olhos absurdamente azuis de um contrastavam com os cabelos castanhos, os olhos de avelã e a pele brasileira do outro. Conduziram seus desejos até a esquina da despedida. Nela, abraçaram-se entre suspiros. Quando se afastaram, as mãos ainda continuavam nos corpos; as sombras agigantadas no chão faziam de seus braços pontes entre continentes. Então, ensaiaram uma nova aproximação, um beijo. Olharam-se nos olhos, depois fitaram suas bocas; hesitaram; e então... disseram-se “boa noite”, sob cristais que flutuavam pelos céus.

A noite branca foi inclemente com seus rastros nos instantes seguintes e suas marcas sobre as calçadas esvaneceram sob alvo manto. Mas a memória daquilo que neles ficaria guardado como possibilidade manteria frescor e doçura para sempre.